Abuso financeiro de grupos educacionais é tema de audiência pública na ALBA

Por iniciativa do deputado Paulo Câmara (PSDB), a Assembleia Legislativa promoveu, na manhã desta sexta-feira, uma audiência pública que discutiu a venda casada de material didático e plataformas digitais pelas escolas particulares de Salvador. A reunião atendeu denúncias de pais sobre abusos cometidos por diversos grupos educacionais. Na quinta-feira, o parlamentar apresentou projeto de lei que coíbe esta prática, que considera abusiva e estabelece o que ele qualifica de “verticalização do ensino”. “É nosso dever mobilizar a sociedade civil organizada, os entes competentes e as instituições de defesa do consumidor. Não podemos admitir que as famílias continuem sendo reféns de um sistema que impõe custos abusivos e limita o direito de escolha”, afirmou.
Segundo ele, diversas instituições de ensino estão obrigando as famílias a adquirirem kits fechados de material didático, sem opção de compra individual, reaproveitamento de livros ou escolha do fornecedor. “Hoje, as escolas particulares, muitas delas adquiridas por fundos de investimento, impõem aos pais a compra de módulos fechados que chegam a custar até R$ 8 mil reais, além das mensalidades já elevadas”, afirmou. O parlamentar destacou que a venda casada é uma infração ao Código de Defesa do Consumidor.
NEGAÇÃO
O presidente do Sindicato das Escolas Particulares (Sinepe), Wilson Abdon, negou a existência de venda casada pelas instituições de ensino e disse, inclusive, que nem são as escolas que vendem o kit físico e virtual de ensino. “São as livrarias”, apontou, ao afirmar que os pais são informados, antes da matrícula, sobre qual material será utilizado no ano letivo e os valores. “Não são obrigados a comprar, mas têm que prover os meios de ensino para seus filhos” disse Abdon, que admitiu: “No frigir dos ovos, se não comprar, não estuda”, enfatizando que o serviço contratado pelos pais “é aula”.
Ele também ponderou que, ao efetuar a matrícula, os pais atestam que confiam e aprovam a lógica pedagógica da escola que, “por lei”, pode definir qual o material didático a ser utilizado. Quanto às denúncias de que o kit vincula, obrigatoriamente, o material físico ao oferecido em plataformas digitais, Wilson Abdon informou que já está em curso uma negociação com a Associação Brasileira de Sistemas de Ensino e Plataformas Educacionais (Abraspe) para que seja oferecida a opção aos pais de comprarem somente uma parte do kit.
Mas a Abraspe trabalha no Brasil inteiro vinculando a compra do módulo físico ao acesso digital, onde o conteúdo é mais aprofundado. Foi o que informou Iratan Vilas Boas, Diretor de Fiscalização do Procon, ao declinar que o órgão também está tentando acordo com a Associação para fracionar o módulo e permitir, inclusive, que possam ser acessados pelos estudantes os de anos anteriores.
CADEIA
Vilas Boas informou que o Procon recebe inúmeras denúncias de vendas casadas, prática que fere o Artigo 38 Inciso 1º do Código de Defesa do Consumidor, que considera prática abusiva o condicionamento da compra de serviço ou produto a outro serviço ou produto. É também proibida a imposição de limite quantitativo de compra, disse, ao considerar que a venda “de pacote completo, sem uma justificativa plausível” é venda casada. E esta prática, explicou, pode ser “oblíqua ou indireta”, porque “cerca a pessoa e não lhe dá opção”.
Iratan Vilas Boas sugeriu que a imposição desta venda casada nas escolas baianas parte, em vários casos, das editoras, que já têm seu kit escolar pronto e o oferece às escolas. E as pequenas unidades educacionais são as que ficam reféns, já que não confeccionam seu próprio material escolar, como acontece com os grandes conglomerados. O Procon, disse, “precisa atacar o segmento como um todo, esta reação em cadeia”, para que no próximo ano esta prática deixe de existir. “Escola não é comércio, é ensino”, acredita o diretor de Fiscalização.
O vice-presidente da Comissão de Proteção ao Direito do Consumidor da OAB-Bahia, Edson Anjos, identificou mais um problema para os pais atingidos pela venda casada – o não acesso à nota fiscal do kit escolar que comprou. Segundo ele, as escolas não fornecem o documento físico, que também não pode ser acessado pelas plataformas digitais. Ele considera que há, sim, a prática da venda casada, uma vez que os pais não têm opção de compra em outro lugar, com o agravante da prática de cobrança de valores diferentes para cada escola.
A questão está na Justiça, a quem um grupo de mais de 200 pais recorreu com uma Ação Civil Pública, capitaneada por Jussara Baqueiro. Na liminar concedida, o juiz não enxergou a prática de venda casada. Os pais recorreram com agravo de instrumento na 2ª instância e continuam mobilizados.
Fonte: ALBA